Um gesto vale tudo

 

Querido Diário,

 

A casa está linda, tudo em rosa, quase que fulmina as vistas de tanto que brilha, mas o que interessa é que os americas adoram esta treta e quanto mais faísca mais chamarisca!

 

Por mim, é igual ao litro. O cliente tem sempre razão. E se preciso for até ando óculos de sol, que por estas bandas com as carroças que este pessoal apanha nas jantaradas, nem liga e até acham que é fashion ou então é very peculiar (agora ando a aprender inglês, mas confesso que o meu sotaque parisien não dá lá muito para essas choses...)

 

Mas como é quase Natal, é a época da boa-vontade, todos nos entendemos e onde a língua não chega há sempre um dedo, quero dizer um gesto que chega para nos entendermos!

 

Un bisous, quero dizer Kiss Kiss desta tua sempre,

Maria Navalha

 

Chez Maria

Querido Diário:

 

Isto tem sido uma estafadeira!

Não tenho parado um segundo!

Estou de rastos, feliz e endinheirada, graças a Deus e aos estranjas que adoram vir para aqui aos dois e três meses de enfiada.

 

Comem que nem porcos, aliás até bolota assada já lhes dei, o que foi muito apreciado como acompanhamento de um rotis, coisa fina, entendes?

 

Adoram o clima, os ares, a água e o vinho nem se fala, é a rodos. Eu só não gosto é da parte em que bebem que nem uns cachos, chamam pelo gregório e lá volto eu à antiga vocação... Bom, eu não! Que agora, tenho empregados para me fazerem a parte badalhoca do serviço. O dinheiro que ganhei a esfolar-me lá fora foi para isto: Para ter uma vida melhor, e é isso que tenho, embora continue a bulir que nem uma moira.

 

Mas à noite ponho sempre um vestido longo, é a minha imagem de marca.

Há que manter uma certa distinção, não achas?

Afinal de que serve ter dinheiro se não é para se gastar? Andei eu tanto ano a sacrificar a boca e o corpinho e até a alma para ter uma vidinha melhor e agora não havería de fazer o que gosto?!

 

É para isto que serve a vida.

Fazermos o que gostamos. Mesmo que os outros digam que é pindérico.

 

Um beijo da tua sempre,
Maria Navalha

Nunca te esqueci

Querido Diário:

 

Aposto que pensavas que eu te tinha abandonado.

NUNCA!

A vida é ingrata e muitos sacrificios nos pede.

 

Pois assim os cumpri e aqui estou. Vivinha da Silva, ou antes da Navalha, que é o meu apelido do qual muito me orgulho e me deu forças para toda esta batalha que tive que levar adiante. Agora é tempo de descansar.

 

Volto a ti, a esta casinha minha tão lindinha, ao meu Portugal amado que nunca me saiu do coração e deixo as Franças aos franciús, que ficam bem entregues. Volto e carregadinha dele, se queres saber. Acabou-se a limpeza, as casas-de-banho e a merda dos outros. Acabou-se a emigração.

 

Volto às minhas origens e à casa onde nasci, onde a minha mãe me pariu. Sem malas de cartão mas com umas belas valises da Louis e pisantes do Louboutin. E da casita que aqui havía resta a recordação, que agora isto é só finesse e chama-se turismo de habitação.

 

Mas a seu tempo te conto tudo, Meu muito Querido Diário.

 

Tua sempre fiel,
Maria Navalha